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O Método Científico nas Ciências Humanas
Segundo Augusto Comte, o conhecimento científico representa a maturidade do espírito humano; maturidade dificilmente adquirida ao termo de uma longa história. Inicialmente os homens adotam explicações teológicas do mundo (a tempestade era explicada como um capricho de Éolo, deus dos ventos). Mais tarde substituíram os deuses por forças abstratas, atingindo a explicação metafísica (a tempestade era interpretada em função da “virtude dinâmica” do ar). Finalmente, a explicação moderna, positiva ou científica, recusa-se a procurar o porquê último das coisas, limitando-se a descrever como os fatos ocorrem. Trata-se de unir objetivamente os fenômenos uns aos outros, de descobrir as ligações a que realmente estão sujeitos (o vento, por exemplo, é um deslocamento do ar das camadas de alta pressão para as camadas de baixa pressão da atmosfera). A teoria dos três estados, demasiado sistemática talvez, teve o mérito de chamar a nossa atenção para um fato incontestável e de grande importância. A atitude científica não é espontânea no homem; ela é um produto tardio da história.
Imagine como uma criança explicaria o fenômeno da tempestade. Essa explicação será de caráter puramente antropomórfico. Por exemplo, imagine que para ela, a tempestade seria causada por Deus, uma figura humana, lavando sua casa no céu. Espontânea e inconsciente, o homem projeta sua própria psicologia sobre a natureza. Portanto, as explicações ditas “teológicas” ou “metafísicas” são aqui explicações ingenuamente psicológicas.
Para atingir o espírito científico é, portanto, indispensável eliminar do conhecimento as espontâneas e inconscientes projeções psicológicas. O conhecimento espontâneo do real é anticientífico. É um conhecimento “não psicanalisado” em que projetamos nossos sonhos e paixões. Assim é que a “física” de Aristóteles é ainda mesclada de psicologia. Aristóteles distingue dois tipos de corpos: os corpos pesados, os “graves”, e os corpos leves. Os leves (a fumaça) dirigem-se espontaneamente para o alto, ao passo que os pesados (uma pedra) movem-se por si mesmos para baixo. O alto e o baixo representam, respectivamente, o “lugar natural” dos corpos leves e dos graves. Desse modo, os corpos inertes (como a fumaça e a pedra) são involuntariamente comparados aos homens, que se esforçam por possuir o próprio lar. Poderíamos dizer, em linguagem “psicanalítica”, que Aristóteles projeta sobre a dinâmica um complexo de homem”, isto é, atribui aos corpos inertes um gosto particular por seu domicílio de eleição.
“Não convém ver a realidade tal como sou”, diz o poeta Paul Eluard, expressando-se como sábio. Mas o que precisamente acontece é que, espontaneamente, eu vejo o mundo como sou, e é necessário grande trabalho para que nós o vejamos tal como é: esse trabalho é o trabalho da ciência. O sábio considera “a eliminação do antropomorfismo” das projeções subjetivas, como condição fundamental e medida de bom êxito da atividade científica.
A realidade científica não é, pois, a realidade espontânea e passivamente observada. É uma realidade construída. Um fato só tem significado científico quando é transposto de maneira que possa oferecer-nos características objetivas, mensuráveis. A construção científica do fato geralmente consiste em imaginar uma série de artifícios técnicos a fim de transpor a observação no campo visual e espacial. Ex. A temperatura torna-se fato científico quando não é mais sentida na pele, mas lida no termômetro.
Assim, o mundo científico, o mundo objetivo é um mundo transposto e reconstruído por meio de um entrelaçamento de manipulações técnicas e operações intelectuais. É quase como se o fato fosse fabricado pelo sábio. Nesse sentido, Le Roy declarava (o que é excessivo mas sugestivo) que “os fatos são feitos”(1). A objetividade, conquistada em detrimento das ilusões subjetivas próprias aos dados sensoriais brutos, só é atingida por mediação, por um circuito teórico e técnico cuja complexidade aumenta incessantemente. Se o fato não é “feito”, não é criado em sua totalidade, pelo menos é “refeito”, como diz Pradines. O fato é sempre um resultado obtido em condições determinadas, precisas, insaturadas a partir de um capital de saber e de técnica. A atividade científica supõe, simultaneamente, teorias e instrumentos na medida em que é construção e não contemplação.
A CIÊNCIA E AS CIÊNCIAS
A classificação de Augusto Comte ainda é, filosoficamente, a mais interessante. Ele distingue seis ciências fundamentais, classificadas na seguinte ordem: matemática, astronomia, física, química, biologia e sociologia. Esta ordem exige as seguintes observações:
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Da matemática à sociologia, a ordem é do mais simples ao mais complexo, do mais abstrato ao mais concreto.
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Esta ordem corresponde à ordem histórica do aparecimento das ciências positivistas.
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As ciências mais complexas dependem das mais abstratas